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Joaquim Francisco dos Santos (Quincas Laranjeiras)

Nascimento: 08/12/1873

Falecimento: 03/02/1935

Natural de: Olinda (PE)

É precursor do ensino de violão por partitura e decisivo na formação dos mais importantes violonistas de sua época
Joaquim Francisco dos Santos (Quincas Laranjeiras)

Partituras

Bibliografia

por JORGE CARVALHO DE MELLO

O papel de Joaquim Francisco dos Santos, o Quincas Laranjeiras, na história do violão brasileiro é o de professor de uma enorme gama de segmentos sociais. Foi decisivo na formação violonística dos mais importantes violonistas da época, como Zé Cavaquinho, Levino Albano da Conceição, Gustavo Ribeiro, João Pernambuco, Lourival de Souza Lima, Donga, José Augusto de Freitas e Antônio Rebello. Considerado um dos precursores do ensino de violão por partitura, ele escreveu dois métodos práticos para violão: Novo Método para Violão, editado por Ao Cavaquinho de Ouro, e Método para violão Andrade.

Quincas costuma ser mencionado como o introdutor da escola de Tarrega no Brasil, o que não é verdadeiro. É fato que ensinava pelo método de Dionisio Aguado, como se conclui da entrevista concedida por Lourival Montenegro à revista A Voz do Violão, nº 3, de abril de 1931: Às pessoas que estudam, aconselho o método de Aguado, adotado aqui por Quincas Laranjeiras, que considero o melhor, pelo menos na parte de dedilhação e harmonia.

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Nascido em Olinda (PE), Quincas Laranjeiras se mudou com a família para o Rio de Janeiro em 1874. O pai, o carpinteiro e afamado violeiro José Francisco dos Santos, e a mãe, Faustina Maria dos Santos, buscavam uma vida melhor para os filhos. Desde a chegada, a família estabeleceu-se no bairro de Laranjeiras, segundo artigo biográfico publicado no suplemento do Correio da Manhã, em 12 de dezembro de 1926. Este jornal representa a fonte mais confiável de informações sobre o violonista.  

Aos 11 anos de idade, Quincas começou a trabalhar na fábrica de tecidos Alliança, que ficava na rua Alliança, futura General Glicério. Existia nessa fábrica uma banda de música cujo regente era o professor João Elias, de quem Quincas recebeu os primeiros ensinamentos musicais. Seu aproveitamento foi de tal ordem que dentro de pouco tempo atuava como monitor nas aulas de música, ensinando os companheiros com maiores dificuldades. Já tocava flauta e trombone quando, ao ver alguém ensinando violão a seu irmão Juca, encheu-se de entusiasmo pelo instrumento.

Em 1889, Quincas foi admitido no Departamento Municipal de Assistência, antiga Inspetoria de Higiene e Assistência Pública, lá permanecendo até sua aposentadoria em 1925.

No já citado artigo do Correio da Manhã, diz-se que Quincas logo passou a ser procurado para acompanhar modinhas e canções, revelando um ótimo ouvido musical e um gosto apurado nas harmonizações que fazia. Ainda segundo a mesma fonte, passou a frequentar a loja Rabeca de Ouro, de João dos Santos Couceiro, na rua da Carioca, 44, onde se vendiam e se fabricavam instrumentos musicais. A loja era um point dos violonistas da época, pois seu proprietário era um conhecido e bem conceituado professor de bandolim. Couceiro organizava anualmente um concerto com sua Orquestra de Bandolins, formada pelos mais destacados alunos, acrescida de instrumentos como bandola, violoncelo, contrabaixo e violão.

A primeira notícia que encontramos sobre a participação de Quincas na Orquestra de Bandolins data de 25 de agosto de 1895, mas é bem provável que já participasse antes. Temos registro da apresentação da orquestra no 10º Concerto do Grupo de Santa Cecilia, realizado em 30 de maio de 1892, no Cassino Nacional. Era na verdade uma estudantina dirigida por Couceiro e constituída por 19 bandolins, quatro violoncelos, um contrabaixo e sete violões. O nome dos integrantes, entretanto não foi revelado.

Na Rabeca de Ouro, Quincas veio a conhecer todos os tocadores de violão daquele tempo. Com a crescente fama de bom acompanhador, entrou no universo do choro e logo adquiriu grande prestígio, ao ponto de Alexandre Gonçalves Pinto, em seu livro O Choro, classificá-lo como primus inter pares no círculo dos grandes chorões do violão.

Ainda segundo o Correio da Manhã, Quincas Laranjeiras foi, junto a outros “companheiros de armas sonoras”, organizador da Estudantina Arcas, prestando-lhe relevantes serviços como professor de violão. Pouco tempo depois, era um dos mais apreciados executores na boa orquestra de instrumentos de cordas da Estudantina Euterpe. O jornal O Paiz noticiou a realização de  um concerto, dividido em cinco atos, tendo a Estudantina Arcas, sob a regência do maestro e diretor D. Manoel Boente, participado do 2º e 5º atos. Para melhor situar no tempo essas atuações de Quincas, transcrevemos a nota do jornal, em sua edição de 31 de janeiro de 1896, pg 3, Artes e Artistas:

Um grupo de rapazes do comércio fundou, sob esta denominação (ESTUDANTINA ARCAS), uma estudantina composta de bandurras, bandolins, violinos, flautas e violões e como lutam com dificuldades, efetuam amanhã no Theatro Nacional, um concerto em benefício da mesma. Certamente o generoso público fluminense não deixará de auxiliar tão bela tentativa.

A edição de 13 de janeiro de 1906 do jornal Correio da Manhã, na página 2, traz o anúncio do lançamento do jornal O Empata, ao estilo de O Malho, onde se publicam, dentre outros assuntos, uma “curiosa polca de Quincas Laranjeiras, o retrato deste rei do violão”.

José Rebello da Silva (Zé Cavaquinho) conta que viu Quincas pela primeira vez ainda na Rabeca de Ouro. Um pouco mais tarde, Quincas, que ouvira Zé Cavaquinho tocar com seu grupo, num baile na rua Ipiranga, convidou-o para integrar o seu conjunto, substituindo Mário Álvares (Mário Cavaquinho), que havia brigado com os outros integrantes, José Fragoso e Fernando Senra (informação obtida no Acervo Almirante/Quincas Laranjeiras, do Museu da Imagem e do Som). O mesmo Zé Cavaquinho, ao recrutar músicos para formar a orquestra do Ameno Resedá, convidou Quincas para integrá-la, como figura de destaque.

Quando se aposentou na Prefeitura, em 1925, Quincas Laranjeiras passou a ensinar também para as senhoras e senhoritas das classes sociais mais elevadas. Nos dois anos seguintes participou ativamente do movimento de cunho nacionalista denominado O Que é Nosso, difundido pelo jornal O Correio da Manhã.

O grande violonista faleceu em 3 de fevereiro de 1935, sem que a nossa imprensa desse muito destaque ao acontecimento. Uma nota na Gazeta de Notícias, edição de 6 de fevereiro de 1935, e nada mais. Transcrevo a nota abaixo, como uma singela homenagem a Quincas Laranjeiras:

Faleceu Quincas Laranjeiras! Abre-se um grande claro nas fileiras dos que cultivam a arte de Tarrega, e só os que privaram com esse virtuose do violão é que podem avalia-lo.

Joaquim Francisco dos Santos, que em tempos idos mantinha uma atividade dinâmica nos meios musicais tendo realizado inúmeros concertos com a colaboração de Ernani de Figueiredo, Levino da Conceição, Brant Horta, Catullo Cearense e muitos outros, limitava-se ultimamente a lecionar violão em sua residência, impossibilitado já de se locomover, por pertinaz enfermidade.

Sua bagagem musical é volumosa, tendo deixado vários compêndios e de seu vasto repertorio, grande parte foi publicada no mensário O Violão e o qual, num histórico sobre o culto desse instrumento entre nós, teve oportunidade de, sobre Quincas Laranjeiras, fazer as mais justas e elogiosas referencias.

Composições

As composições de Quincas Laranjeiras de que temos notícia são as seguintes:

Choro nº1: encontrada no arquivo Jacob do Bandolim, no Museu da Imagem e do Som)

Curiosa Polca (título provisório):  encontrada na 1ª edição do jornal O Empata, seção de microfilmagem da Biblioteca Nacional

Dores d’Alma (valsa)

Sabará (polca)

Sonhos que passam (valsa com letra de Lilinha Fernandes)

Valsa para violão

Prelúdio em ré menor

Arranjos

. Para o jornal Correio da Manhã, Quincas fez arranjos (melodia e acordes para violão) das seguintes músicas:

Jaboticabas, música de J.J. dos Santos e letra de A.J. Andrade, em 7/11/1926

Oração de Cardoso de Menezes e Zeca Ivo, em 28/11/1926

Casinha da Colina, de Pedro Sá Pereira, em 5/12/1926

Ai, Caboca Bonita, de Catullo, em 12/12/1926

Luar do Sul, de Zeca Ivo, em 2/10/1927

Valsa Serenata, de Erothides de Campos, em 16/1/1927

Chuá chuá, de Sá Pereira, em 13/03/1927

. Entre 1928 e 1929 Quincas Laranjeiras colaborou com a revista O Violão e, em 1931, com a revista A Voz do Violão, fazendo arranjos, com melodia e acompanhamento para violão na pauta, das músicas:

Revista O Violão

A Casinha do Meu Bem (compositor anônimo)

Casa de Caboco, de Heckel Tavares e Luiz Peixoto

Yayá de Yôyô, de H. Noeler e Luiz Peixoto

Sem amor ninguém nem veve, de Josué de Barros

Despedida (modinha/seresta), de Heckel Tavares e Gastão Penalva

Sorrir Dormindo, de J. Kallut

A Casinha da Colina, de Pedro de Sá Pereira

Samba Enxuto, de Vantuil de Carvalho

Sabiá, de Hechel Tavares e Joracy Camargo
Sobre uma Campa (modinha), de Catullo

O Gavião Calçudo (samba), de Pixinguinha e Cicero de Almeida

Canção da Guitarra, de Marcelo Tupinambá

Elegia, de Massanet (transcrição)

Revista A Voz do Violão:

A Voz do Violão, de Francisco Alves e Horacio Campos

Quando te Vejo, de Edmundo Henrique

Apresentações

. Em 25 de agosto de 1895, a Orquestra de Bandolins realizou um concerto no Cassino Fluminense, em benefício da Sociedade Amante da Infância e dos Pobres. É a primeira notícia que encontramos sobre a participação de Quincas nessa orquestra, que na ocasião era composta por 42 bandolins, quatro bandolas, quatro violoncelos, um contrabaixo e nove violões. O naipe de violões era formado por Leonor Granjo, José Ribeiro do Amaral, Carlos Graça, Januario Sampaio, Alfredo José de Souza Imenes, José Antonio da Silva, Joaquim Francisco dos Santos (Quincas Laranjeiras) e Nicolao Rosa Cavallier. (Gazeta de Noticias, 25 de agosto de 1895)

. Outro evento beneficente do tipo foi realizado em 25 de setembro de 1889 no mesmo Cassino Fluminense. A orquestra era constituída de 40 bandolins, duas bandolas, quatro violoncelos, um contrabaixo, uma castanhola e 13 violões. O naipe de violões era assim constituído: Elisa Signeuret, Maria Ribeiro Alves Casaes, Alfredo José de Souza Imenes, Carlos Graça, Joaquim Francisco dos Santos, José Antonio da Silva, Agnelo Mario Carneiro, Nicolao Rosa Cavallier, Arlindo Lopes de Castro, Felix Leite, Constantino Silverio, Antonio José Pereira de Araujo e Januario Sampaio. (O Paiz, 27 de setembro de 1889, Artes e Artistas: Cassino Fluminense)

. Em 18 de junho de 1900, no salão nobre do Cassino Fluminense, outro grande concerto em benefício da Sociedade Amantes da Infância e dos Pobres. Na ocasião, a Orquestra de Bandolins era formada por 39 bandolins, três bandolas, uma viola, três violoncelos, um contrabaixo e nove violões: Alfredo José de Souza Imenes, Antônio de Souza Campos, Joaquim Francisco dos Santos (Quincas Laranjeiras), José da Silva, Januario Sampaio, Constantino Silvério, Agnelo Mallio Carneiro, Nicolao Rosa Cavallier e Antônio José Teixeira de Araújo.

. Em 21 de julho de 1902 foi realizado no salão nobre do Cassino Fluminense mais um concerto em beneficio daquela sociedade. No naipe dos violões estavam Irene Falcão, Maria Arminda Falcão, Antônio Portella Lobo, Constantino Silvério, Carlos Cordeiro da Graça, José da Silva, Arlindo Guimarães, Joaquim Francisco dos Santos (Quincas Laranjeiras), Antônio Teixeira de Araujo, Nicolao Rosa Cavallier e Manoel dos Santos Coelho.

. A última apresentação da Orquestra de Bandolins sob a direção de João dos Santos Couceiro ocorreu em 31 de outubro de 1904 (No início de abril de 1905, Couceiro cometeu suicídio). O naipe de violões era então formado por: Maria Arminda Falcão, Irene Alves do Valle, Gracilia Baptista, Alfredo José de Souza Imenes, Antônio Portella Lobo, Carlos C. da Graça, Joaquim Francisco dos Santos (Quincas Laranjeiras), Ernani Esmeraldo de Figueiredo, José da Silva, Arlindo Guimarães, Albano Calton e Nicolao Rosa Cavallier.

. Em 8 de setembro de 1906, um grupo de senhoras e senhorinhas do Conservatório Livre de Música organizou uma Serenata Veneziana em homenagem ao prefeito Pereira Passos. (Assinalo, por curiosidade, que a então jovem pianista Branca Bilhar, sobrinha de Satyro Bilhar, participou deste evento e era, na ocasião, aluna do Conservatório Livre de Música.) Partiram três barcas do cais Pharoux em direção à Enseada de Botafogo, onde se encontravam o prefeito e demais autoridades. Numa das barcas estava a orquestra de bandolins e violões em que figuravam, dentre outros, Manoel Gonçalves da Silva, Quincas Laranjeiras e Ernani de Figueiredo (Gazeta de Noticias, 9 setembro 1906, pg 5).

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. Na célebre apresentação de Catullo da Paixão Cearense no Instituto Nacional de Música, em 5 de julho de 1908, participaram os professores Alfredo de Souza Imenes, Santos Coelho, Joaquim Francisco dos Santos(Quincas) e José Rebello (Zé Cavaquinho), que interpretaram as seguintes músicas:

Una Lágrima, de Carlos Garcia Tolsa

Bambino (tango), de Ernesto Nazareth

Edith (mazurca)

(Jornal do Brasil, 06 de julho 1908,pg 6).

. Em 13 de junho de 1911, Quincas participou da reunião musical organizada pelo Maestro Annibal de Castro em comemoração ao aniversário natalício do major Xavier Pinheiro. Na ocasião, Quincas executou ao violão uma peça chamada Bolero, de Velloso. Ele participou ao violão com Annibal de Castro (flauta) e Quirino de Castro (violino) na execução da peça La Serenata, de G. Braga. (O Paiz, 16 de junho de 1911, pg 3).

. Em 6 de maio de 1916 realiza-se  o tão esperado concerto de violão dos professores Brant Horta e Ernani Esmeraldo de Figueiredo. O programa do concerto apresenta algumas curiosidades, com músicas completamente estranhas ao repertório de violão erudito da atualidade. Brant Horta executou, em solo de violão, as seguintes músicas: Marcha Fúnebre(Chopin), Liège (marcha descritiva), Ao Luar (barcarola) e Bumba Meu Boi, estas de autoria de Brant Horta. Os solos de violão apresentados por Ernani de Figueiredo foram os seguintes: Impromptu (fantasia de concerto) e Zizinha (habanera), ambas de Ernani de Figueiredo, Charme de La Nuit (noturno), de J. Ferrer, e Chant d Oisceiu (Zulfihu). Em duo eles executaram Tannhauser (Richard Wagner), Fantasia Espanhola e Rêve Après la Danse, estas duas últimas de Louis Emma. No restante do programa, com dois números cada, se apresentaram o septimino de bandolins, a orquestra de bandolins, bandola, alaúde e violões (com a presença ilustre de Quincas Laranjeiras) e Céo da Camara Paradeda Kemp, discípula da Brant Horta, em duo com ele. Mais uma vez a presença de Quincas em eventos de importância fundamental para o violão brasileiro.

. No famoso concurso de violão realizado em fevereiro de 1927, patrocinado pelo Correio da Manhã e inserido no já citado movimento “O Que é Nosso” inscreveram-se três candidatos: Americo Jacomino ( o consagrado Canhoto), Manoelito Lima (violonista cego que veio com o grupo nordestino Turunas da Mauricea) e a menina Yvonne Rebello da Silva, filha do Zé Cavaquinho. Os candidatos tinham que escolher uma peça do repertório erudito, outra do repertorio popular e uma de livre escolha. Como apenas Yvonne tocava peças eruditas, os organizadores resolveram premiar os três inscritos, que tiveram por patronos João Pernambuco, Levino Albano da Conceição e Quincas laranjeiras, respectivamente

. Em 19 de março de 1927 no Theatro Cassino Copacabana, realizou-se um concerto de violão com os professores Quincas Laranjeiras e Melchior Cortez, com o seguinte programa:

1ª parte

El no sé (valsa característica/dueto)

Ada, de Sartori (mazurka romântica/dueto)

Una Lagrima, de Sagreras (trio com o concurso do regente Domingos de Castro)

Pagina d’Album, de Barrios (solo de Quincas Laranjeiras)

Espalhafatoso, de Ernesto Nazareth (tango/dueto)

2ª parte

Apresentação da Tuna Luso Brasileira, sob a direção do exímio regente Domingos de Castro.

3ª parte

Enriquieta, de Carlos Garcia Tolsa (habanera, estilo regional/dueto)

Carnaval de Veneza, de F. Castelli (tema e variações/dueto)

Al fin, solos, de Carlos Garcia Tolsa (sonata/trio com o concurso de Domingos de Castro)

Meditação, de Carlos Garcia Tolsa (noturno/solo de Melchior Cortez)

Bambino, de Ernesto Nazareth (tango/dueto)

(Correio da Manhã, 19 de março de 1927. Correio Musical: Um concerto de violão em Copacabana)

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